Sábado, 11 Julho 2020 00:40
CONGRESSOS BB E CAIXA

Economista da Unicamp defende papel dos bancos públicos para a retomada da economia

Luiz Gonzaga Belluzzo critica a política ultraliberal e privatista do governo e defende a presença do Estado na economia para o Brasil sair da crise
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo destacou a importância do papel do estado e da participação dos bancos públicos para a recuperação econômica do Brasil e criticou a política ultraliberal e privatista de Paulo Guedes O economista Luiz Gonzaga Belluzzo destacou a importância do papel do estado e da participação dos bancos públicos para a recuperação econômica do Brasil e criticou a política ultraliberal e privatista de Paulo Guedes Ricardo Machado

Carlos Vasconcellos

Imprensa SeebRio

 

O economista e professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e ex-consultor de economia do governo Lula, Luiz Gonzaga Belluzzo participou da abertura dos congressos dos bancos públicos, nesta sexta-feira, dia 10 de julho, falando das saídas econômicas do Brasil da atual crise agravada pela pandemia e o papel das instituições públicas na retomada do crescimento econômico. Belluzzo disse que as “medidas do Governo Bolsonaro para a retomada da cadeia produtiva e de pagamento vão comprometer muito a restauração do desenvolvimento”. O primeiro dia dos eventos, em função da pandemia do novo coronavírus, também foi realizado de forma virtual.

“O comércio e os serviços, como restaurantes e lojas, vão sofrer um dano muito grande. E este é um setor muito importante para a economia porque é um dos que mais geram empregos. As medidas do atual governo desarticulam os nexos que fazem girar a economia. Esta crise exige ações emergenciais e urgentes que não estão sendo tomadas”, disse.

O economista criticou a afirmação do ministro da Economia Paulo Guedes de que o governo não pode estender o auxílio emergencial até dezembro porque isto iria custar R$140 bilhões aos cofres públicos e defendeu a extensão do auxílio e o socorro às micros, pequenas e médias empresas para a recuperação econômica ou o país “terá impactos muito negativos mais a frente”, após a pandemia.

“Como eu aprendi com o economista Keynes: é o gasto que vira renda, que cria as demandas de produtos das fábricas, retornando em forma de impostos para o governo”, destacou mencionando as teses do economista britânico John Maynard Keynes aplicadas para a retomada do desenvolvimento dos EUA após a crise capitalista de 1929. O keynesianismo defende a forte presença do estado e do investimento público na criação de políticas e programas sociais e de elevação da renda das famílias como forma de fomentar os ciclos econômicos e garantir o crescimento da economia capitalista.

O Professor citou como positivas as atuais medidas tomadas por países da Europa, como a França e a Alemanha, que estão concedendo crédito através de bancos públicos e privados com garantia soberana do estado às empresas durante a pandemia a fim de preservar os empregos e promover o acesso ao consumo.

“Primeiro é necessário salvar as empresas e a renda das pessoas, para em seguida promover um sistema tributário progressivo. No Brasil este sistema é regressivo, tudo em cima do consumo das pessoas mais pobres, dos gastos correntes, e isto é muito negativo, pesa na renda dos mais pobres e tem consequências até mesmo para os mais ricos”, afirma, apontando algumas das saídas para a crise pós-pandemia.

Importância dos bancos públicos

O professor da Unicamp destacou a importância da defesa das instituições públicas para a recuperação econômica.

“A luta em defesa do Banco do Brasil, da Caixa, do Banco do Nordeste é de todos, inclusive da categoria bancária. É preciso, agora, impedir que este governo dilacere o país”, acrescentou, citando como exemplo da consequência de falta de apoio às empresas, a situação da própria rua onde reside em que dos sete restaurantes que existiam antes da pandemia, só quatro continuam funcionando.

“Guedes tem uma visão econômica tosca. Privatizar bancos públicos é absolutamente fora de propósito. No mundo inteiro governos estão buscando medidas que são de fato eficientes”, criticou, revelando que o Brasil está na contramão das ações tomadas pelas principais economias capitalistas. Destacou como exemplo a China, em que os bancos públicos controlam 80% do crédito e lembrou que na segunda economia do planeta “não há este conflito entre os setores público e privado”.

“É preciso haver uma articulação e o papel dos bancos públicos é crucial não só para este período de pandemia, mas, sobretudo, para o momento da saída desta crise e para a estratégia de recuperação econômica, que não sabemos quando ocorrerá”, propõe.

Deu como boa prática, os investimentos chineses em energia sustentável.  

“A China tornou-se o maior produtor de placas de energia solar do mundo com a participação dos bancos públicos que encomendaram estes produtos promovendo uma articulação entre os setores públicos e privados. Organizou um arcabouço institucional e tecnológico porque tem uma coordenação. Não importa se a nomenclatura da experiência chinesa é um socialismo de mercado ou um capitalismo de estado, mas sim o que eles praticam”, afirma.

Experiência brasileira

Belluzzo deu como exemplo da relevância das empresas públicas não apenas a experiência chinesa, mas a própria história do Brasil e citou os relatórios do Banco do Brasil que apontavam a visão estratégia do país para a superação da crise de 1929, destacando a importância das instituições públicas e do Estado no processo de industrialização do país.

“Getúlio Vargas mandava os industriais procurarem o Banco do Brasil para buscar financiamento. O BB dava sustentação ao setor industrial. Foi neste período que vários grupos empresariais se desenvolveram, como o grupo de Antônio Ermírio de Morares”, explica.  

Lembrou também do papel fundamental dos bancos públicos para a superação da crise de 2008, durante o governo Lula, do qual Belluzzo foi conselheiro econômico.

“Se não fosse a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e o trabalho do Luciano Coutinho a frente do BNDES não tínhamos saído daquela crise”, afirma, lembrando ainda que neste momento apenas o BB está concedendo crédito às pequenas e médias empresas.

O acadêmico disse também que, num momento de ruptura do circuito econômico como o que vivemos, só o estado nacional pode de maneira ágil impedir que o sistema se deteriore, recuperando a renda do maior número possível de pessoas que saíram do mercado de trabalho. “Um sinal péssimo no país são os brasileiros que perderam o emprego e já não buscam mais a inserção no mercado de trabalho”, declara.

Emissão de moeda

Belluzzo defende ainda a emissão de dinheiro para garantir a renda das pessoas e socorrer as empresas, um dos temas mais polêmicos entre os economistas e uma solução muito criticada pelos neoliberais e pelo ultraliberalismo de Guedes.

“Um programa de emissão de moeda tem que ser combinado com uma visão do estado nacional. O Banco Central pode comprar títulos públicos e privados”, declarou, lembrando que até os EUA têm feito isto, comprando cerca sete trilhões, desde a crise de 2008 para recuperar a sua economia.

“Esta não é uma crise normal. Estamos vivendo uma ruptura das cadeias produtivas em que o trabalhador é maior vítima”.

Falou ainda da importância de um programa de habitação popular num momento difícil como o atual. “Muita gente se tornou mais vulnerável à Covid-19".

O mito dos mercados

Ao criticar a política neoliberal de Paulo Guedes, das escolas de Chicago e austríaca, o palestrante disse que o mercado é uma fantasia.

“Esta visão liberal não tem nenhuma conexão com a realidade. Em toda a história do capitalismo desde o mercantilismo, passando pela revolução industrial e na experiência do desenvolvimento norte-americano houve uma presença permanente do estado, dos gastos públicos e de programas sociais para a formação da renda. Não há nenhum fundamento (na teoria ultraliberal) a não ser na mente desses malucos da escola austríaca que dizem que a física quântica ‘é comunista’ porque é difícil de entender”, disse em tom irônico.

Ao final de sua participação, Belluzzo criticou duramente a política econômica de Paulo Guedes. “Guedes disse uma barbaridade que é privatizar os ativos públicos para pagar as dívidas do setor privado. Tem que ser muito tosco para dizer uma barbaridade desta. Qualquer aluno de economia compreende estes princípios – de participação do Estado e dos investimentos públicos no desenvolvimento econômico - e que quem não sabe isto não passa nem no 1º ano do curso da Unicamp”, conclui numa crítica aos defensores da tese ultraliberal do atual governo.  

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