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Diagramação: Marco Scalzo
Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
Carlos Vasconcellos
Imprensa SeebRio
O pedido de demissão do Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro não é apenas fruto de discordâncias do ex-juiz da Lava Jato com as constantes intervenções do Presidente Jair Bolsonaro na pasta por ele dirigida, com mudanças no comando da Polícia Federal. É também um sinal claro de que o governo é um barco à deriva, que afunda com uma rapidez sem precedentes na história do país. Fica evidente que Moro, que segurou o cargo até onde pôde, tomou a decisão para tratar de proteger sua pré-candidatura à presidência da República em 2022, diante da imagem do governo que vai para o brejo. Moro soube da exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, através do Diário Oficial, uma forma que o Presidente encontrou para forçar a demissão.
Autonomia da PF
Uma revelação de Moro deixou até o eleitor mais fiel de Bolsonaro estupefato: a de que nos governos Lula e Dilma, foi garantida a autonomia da Polícia Federal mesmo durante os trabalhos de investigação da Lava-Jato direcionados contra os próprios presidentes petistas.
“Foi fundamental a manutenção da autonomia da PF para que fosse possível realizar esse trabalho. Seja de bom grado ou pela pressão da sociedade, essa autonomia foi mantida", confessou Moro.
As razões de Bolsonaro
Em entrevista coletiva, Moro disse que a exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, indicação do ex-juiz, não tinha motivo técnico e que Bolsonaro teria confirmado que “o motivo era político mesmo”. O agora ex-ministro afirmou que o presidente queria indicar todos os ocupantes de cargos de confiança do órgão, numa tentativa de “obstrução das investigações por parte de Bolsonaro”. Para bom entendedor, meia palavra basta.
A Superintendência do Rio de Janeiro mantém três investigações delicadas para a família: o assassinato da vereadora Marielle Franco, o suposto esquema de rachadinha no gabinete do senador Flávio Bolsonaro e as ações do grupo miliciano no chamado Escritório do Crime. Outra investigação que explica porque Jair Bolsonaro estava tão irritado com o ex-diretor-geral da Polícia Federal e o demitiu sem consultar o ministro da pasta, foi a investigação das fake news direcionadas contra o Supremo Tribunal Federal (STF), que chegou ao Gabinete do Ódio, comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro. Policiais que trabalham na operação garantem que o filho do presidente é o mentor de todos os ataques que foram disparados contra o Supremo e contra o Congresso Nacional. Há um processo aberto pelo STF para investigar esse movimento de notícias falsas. A intervenção sem precedentes na história da corporação e as declarações do ex-ministro na coletiva de imprensa evidenciam mais um crime de responsabilidade do Presidente, que tenta blindar as investigações contra sua própria família e pretende usar a inteligência do órgão para investigar seus adversários políticos e membros de instituições democráticas, como o STF e o Congresso Nacional.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tomou uma decisão que pode impedir a tentativa de Bolsonaro de barrar investigações que apontam para o clã da família. Moraes decidiu que o comando da PF terá de manter no posto os delegados que trabalham em duas frentes de investigação da Corte. Uma delas apura a disseminação de fake news, ofensas e ameaças contra ministros do próprio Supremo. E a outra envolve a organização e o financiamento de atos com pauta antidemocráticas e em defesa da volta da ditadura militar.
Em sua coletiva, Bolsonaro expressou toda a sua mágoa com o ex-pupilo e acusou Moro de ter pedido uma vaga no STF em troca da cabeça do diretor-geral da PF. Moro nega.
Moralismo de araque
A investida de Bolsonaro coincide com outro movimento político que põe por terra o moralismo de araque de combate à corrupção que foi um dos principais pilares da campanha política que elegeu o atual governo. A aproximação política do Palácio do Planalto com velhos conhecidos da Polícia Federal e da Justiça. Bolsonaro negocia cargos públicos com os ex-deputados Roberto Jefferson (PTB) e Valdemar Costa Neto, ambos condenados no escândalo do mensalão e lideranças do centrão, grupo partidário dominante no Congresso Nacional e velho conhecido pelas práticas fisiológicas e pela política do “tomá lá, dá cá”, tão condenados por Bolsonaro, pelo menos no discurso.
É o moralismo de goela, uma tradição política secular de setores da direita mais reacionária e golpista. Foi com este mote que as oligarquias brasileiras levaram Getúlio Vargas ao suicídio, derrubaram e exilaram João Goulart e deram um golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff.
O legado de Moro
Na coletiva de imprensa, Moro ensaiou um esclarecimento de seu legado a frente do Ministério da Justiça. Destacou o “recorde de apreensão de drogas do crime organizado” e “a abertura de concursos para o órgão”. Disse que aprofundou o combate à corrupção, à violência urbana e ao crime organizado. Mas o ministro se omitiu quando o assunto são as milícias, como no episódio do motim do Estado do Ceará, que teve a participação de milicianos do Rio de Janeiro e parlamentares acusados de ligação com este crime organizado. Na época, Moro se posicionou em solidariedade aos “policiais militares” que fecharam comércio, furaram pneus de veículos da polícia, promoveram assaltos e implantaram o terror na população da cidade de Sobral. Também aceitou a transferência do Coaf ( Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para o Ministério da Economia, mais uma mudança tomada por Bolsonaro para tentar barrar as investigações contra a sua família.
Resultado de seu legado: o Brasil caiu uma posição no ranking mundial de percepção da corrupção em 2019, ficando em 106º lugar, repetindo sua pior nota no estudo elaborado pela organização Transparência Internacional. Um dado que contribuiu ainda mais para esta queda foi a decisão de Bolsonaro suspender a Lei de Acesso à Informação durante o período da pandemia, medida compactuada por Moro que sequer se pronunciou sobre o assunto.
Há quem ache que Moro saiu de cabeça erguida do governo. Mas, se de fato quisesse não deixar mácula em sua trajetória política, desde os tempos de seu ativismo judicial, não teria nem entrado neste governo.