Quarta, 30 Agosto 2017 00:00

O orçamento em disputa e o BNDES

O orçamento está em disputa. Desde sempre! E tal disputa tem o BNDES como um espaço profícuo. Quem são os verdadeiros amigos do Rei, os empresários pendurados na TJLP ou aqueles adictos à Selic e que nada produzem? De fato, e de alguma forma, ambos. E os perdedores? Se a discussão permanecer nesses termos, o restante da sociedade.
Bancos de desenvolvimento nacionais são instrumentos estatais - dentre tantos outros existentes - que derivam das características institucionais e culturais de cada país, estando assim suas conformações definidas nacionalmente, a partir de construções históricas e sociais particulares. A falsa dicotomia entre Estado e mercado opõe economistas neoliberais e desenvolvimentistas com seus malabarismos numéricos para, no fim das contas, ser resolvida na base de quem tem mais poder. Deveria ser mais do que isso. Argumentos puramente econômicos não são capazes de compreender o papel de um banco de desenvolvimento como capacidade estatal especifica para um país como o Brasil e seus enormes desafios. Os embates em torno do funding e uma simplificação sobre custos (econômicos) de oportunidade, deveriam ocorrer de forma marginal. Analisar efeitos concretos em emprego e renda, mecanismos de controle social e ambiental, um banco com mandato e que preze por reduzir desigualdades, deveria prescindir a discussão.
Após quase uma década de crescimento nos desembolsos, o BNDES vem perdendo capacidade como braço do Estado para induzir determinado desenvolvimento, nos últimos dois anos. Os desembolsos até junho deste ano mostram que o banco poderá fechar 2017 com atuação proporcional ao fim da década de 1990, sendo que este cenário ocorre (ainda) com a vigência da TJLP (Taxa de juros de Longo Prazo). Portanto, neste momento, o banco já não representa o alegado “peso” no orçamento. O que eles querem é retirar a possibilidade de que, caso um projeto diferente do que está em vigor seja vencedor nas urnas, existam instrumentos para se fazer política de crédito direcionado. Nada mais antidemocrático.
A proposta que está prestes a sair do papel (Medida Provisória 777) tende a deteriorar a situação econômica, com a substituição da TJLP por uma taxa mais parecida com taxas de mercado – no nível e na volatilidade -, a Taxa de Longo Prazo (TLP). Os defensores da TLP, a partir de suas idealizações de um equilíbrio capitaneado pela racionalidade dos atores privados partem de dois argumentos básicos para sustentá-la: aumentar a potência da política monetária e acabar com o caráter discricionário da formação da taxa. Defendem com isso que o banco deveria ser um banco de “inteligência”, o que na prática, significaria focar exclusivamente em securitização e estruturação de Parcerias Público-Privadas. As discussões, no entanto, são feitas de forma pouco aprofundada, talvez propositalmente.
Dentre as implicações dessas parcerias, existe grande dificuldade de prever custos de transação e administração o que implica que, muitas vezes, uma PPP saia mais cara do que se o Estado investisse, ele próprio, diretamente. Ademais, é comum que haja renegociação continua dos contratos, com todos os riscos implícitos, pois o ente público tende a ficar refém do empreendimento já licitado. Reduzem-se as margens da ação do Estado, seu potencial como ator redistributivo, podendo criar ainda um risco adicional de se gerar, dentre outros percalços, um marco legal contrário aos investimentos públicos. É comum que não se calculem corretamente os riscos fiscais, se subestimem passivos contingentes e, consequentemente, aumentem os níveis de endividamento público. Ademais a Sociedade Civil tem pouquíssimo acesso aos dados das parcerias uma vez que, diante do quadro descrito, a transparência, e todo um leque de salvaguardas sociais e ambientais ficam, evidentemente, prejudicados.
A existência de mecanismos da sociedade civil para controlar a atuação de instituições estatais é constituinte das democracias. Quando o banco se torna mero estruturador econômico-financeiro para o mercado, se perde o referencial e a capacidade da sociedade de se contrapor e incidir sobre políticas como as que vêm sendo construídas a toque de caixa. Que se repense o banco, mas que não se esvazie sua capacidade de implementar políticas de Estado que é o que ocorrerá com a mudança proposta. Ainda temos um país a construir.

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