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Diagramação: Marco Scalzo
Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
Carlos Vasconcellos
Imprensa SeebRio
A escritora e ativista carioca Marcele Oliver, idealizadora do “Projeto Avança Nega”, apresentou o segundo painel do evento do I Encontro Nacional BB Black Power, dos funcionários do Banco do Brasil, realizado neste sábado (28), no auditório do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro.
O encontro acontece repleto de manifestações artísticas, como música, poesia e literatura engajadas ao movimento negro e à luta por igualdade racial.
Hoje o BB possui apenas 23% de funcionários da raça negra em seu quadro (negros e negras compõem 56% da população brasileira) e um dos objetivos do encontro é fortalecer as políticas afirmativas no banco, pauta que volta a ser debatida com a vitória do presidente Lula nas eleições de 2022 e a nova direção da empresa.
Marcele destacou que, aqui no Brasil, as pessoas estão fazendo um retorno histórico para entender quem somos.
“Os europeus nos tiraram da África e nos alienaram para os negros não saberem quem somos. No período da escravidão os negros, mesmo discriminados, estavam nas ruas e houve uma entrada de imigrantes brancos porque a simples presença negra incomodava as elites brancas”, disse.
Projeto de embraquecimento
A escritora lembrou que o “colorismo” no Brasil começa com a entrada desses imigrantes seguidas de relações inter-raciais, o que não era o projeto inicial, pois as elites queriam uma sociedade europeia branca no Brasil.
“\Em nosso país, a concepção ‘colorismo’, termo que vem dos EUA, ainda está em construção, e é importante perceber que aqui não tem só negro e branco, mas temos os indígenas, também completamente apagados na história, e isto diferencia a concepção do ‘colorismo’ no caso brasileiro”, explicou.
Marcele ressaltou a importância de que como o negro se identifica, preto, pardo, “pois com a mistura da raças no país, os negros mais claros perceberam que eram mais privilegiados na sociedade do que negros de pele mais escura.
“Pessoas negras com pele mais clara não se viam como pretos, muitas vezes vindo do mesmos pais, pois passaram a perceber que os mais escuros são mais discriminados”, destacou, afirmando que o “colorismo” é a tentativa de favorecer o “embranquecimento” com todas as formas possíveis para tentar apagar os pretos.
“Antigamente não podíamos nem trabalhar em banco e estarmos aqui é uma revolução”, disse, sendo muita aplaudida pela plateia.
“Quanto mais pigmento, maior a discriminação e falta de acesso aos lugares”, afirmou, criticando o discurso que parte do mito da “democracia racial” de que o Brasil “não é racista, não é homofóbico”.
Explicou que o “colorismo” considera traços da raça negra como parte deste ‘caldeirão’ racial.
“O índice de desemprego e rejeição aumentou historicamente nas pessoas pretas. Boa aparência é uma pessoa magra, branca de cabelo liso, padrão europeu”, criticou.
Lugar solitário
A ativista disse ainda que surgiram vários conceitos e visões dentro do próprio movimento negro. “Pessoas negras com a pele mais clara que estão no espaço branco, percebem que não pertencem àquele espaço. Temos comportamento discriminatório entre pessoas pretas, porque o negro de pele mais clara não se identifica como preto e sua negritude é invalidada”, acrescentou.
Lembrou que, após séculos sendo excluídas, abusadas, preteridas e discriminadas surge a negra de ‘padrão europeia’, a ‘barbie afro’, muitas preferidas por brancos.
“É um lugar solitário falar o tempo todo que somos negros”, declarou, dizendo ainda há pessoas que se sentem brancas demais para ser negra e negra demais para ser branca, referindo-se as pessoas que se identificam como pardas.
“O sistema te faz ter vergonha de ser negra. Tenho alunos, crianças negras, que se identificam como “marrom”, “bege”. A negritude durante muito tempo foi negada e as pessoas se apresentavam como ‘pardas’, e graças ao movimento negro de descobrir a nossa história, de pontencialização coletiva, pois nada funciona no individual quando a gente fala de cor de pele”.
Instituições disfarçam o racismo
Citou o exemplo da canção “Olhos coloridos (“Sarará Crioulo”), escrita pelo compositor Macau, mostrando que as pessoas curtem a música, mas não sabem a origem e razão da obra, explicando que a letra foi feita após o artista tomar uma dura de um policial pelo simples fato dele ser negro.
“É preciso saber a verdade sobre o mito da “democracia racial”. Sobre o olhar mais europeu, mais aceitável. As instituições disfarçam o racismo, falam de diversidade, mas não colocam uma negra de frente. Tratamos de ‘colorismo” quando você sai de casa e a pele é uma marca que gera dúvidas na polícia, no segurança do supermercado e no vendedor de lojas de departamento”, afirmou mostrando a diferença de tratamento pela diferença na cor da pele.
“Trouxeram 4 milhões de imigrantes europeus, quase o mesmo número de negros vindo da África para apagar a nossa identidade. Mas não adiantou e a prova disso é que estamos aqui”, ressaltou.
“Aqui no Brasil é necessário um material didático que aproxime crianças e adultos da história. É crucial entender que no Brasil as relações são determinadas pela cor da pele, não por classe social, tudo é por conta da raça. Na favela tem muito racista, crianças começam a praticar atos discriminatórios com outras crianças. Geralmente os brancos são os donos das lojas, dos bares, estão no topo da piramide. A ideia de que branco de favela é igualmente discriminado, não é verdade, pois o branco não leva tapa na cara da policia.”, explicou.
“O colorismo criou a ilusão de que a população preta é aceitável. O que podemos fazer é conscientizar, educar nossos filhos e filhas. O colorismo afeta nossa autoestima. Nós carregamos esse país nas costas, somos maioria. Sem pretos esse Brasil não anda”, concluiu.