A reforma da Previdência aprovada na madrugada deste dia 7 em segundo turno na Câmara dos Deputados, seguindo para o Senado, é perversa: diminuirá drasticamente os valores das aposentadorias e pensões e ampliará as barreiras para se aposentar. Além disso, agravará a concentração de renda no país, provocando queda da própria arrecadação previdenciária, com impacto negativo sobre a Previdência Social.
A análise é do economista Ahemar Mineiro, ex-técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em entrevista*. Classificou como falso o discurso de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e Paulo Guedes, banqueiro e ministro da Economia, de que a política econômica busca o equilíbrio fiscal e a criação de empregos. Alerta que, ao contrário, a política contracionista de Guedes aprofunda a recessão fazendo cair a arrecadação, aumentando, com isto, o desequilíbrio fiscal e o desemprego. “Guedes usa este desequilíbrio crescente para justificar mais cortes em setores sociais (saúde, educação, habitação, cultura) e a entrega do patrimônio público e riquezas naturais, como o petróleo”, avalia. Frisou que a recessão coloca os trabalhadores na defensiva, facilitando a imposição das reformas, com mais perdas de direitos, e mais lucros para os ricos.
Que efeitos a reforma da Previdência deve ter para o trabalhador e para o país?
Efeitos perversos. Menos renda para os aposentados, mais dificuldades para aposentar, agravamento da concentração de renda no país pela perda de renda dos aposentados mais pobres, mais precarização, e queda da própria arrecadação previdenciária pelo desalento dos trabalhadores mais jovens com a Previdência futura. Esse governo deixará um enorme passivo social e sistêmico que caberá a futuros governos consertarem nessa área, com um aumento de custos para resolver o problema no futuro – ou seja, também deixarão um enorme passivo econômico e financeiro, como pode ser visto em países vizinhos que reformaram o sistema previdenciário, como o Chile (anos 1970) e Argentina (anos 1990). Ou seja, o trabalhador perde agora e nos anos que se seguem, e o país perde no futuro.
Como o senhor analisa a política econômica de Paulo Guedes e seus efeitos para o país?
O ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, ampliou radicalmente a política contracionista levada adiante por seus antecessores, Joaquim Levy ministro da Fazenda do governo Dilma) e Henrique Meirelles (ministro da Fazenda do governo Temer), com ênfase no ajuste fiscal e corte de gastos. Os efeitos são forte desequilíbrio das contas públicas (pela queda da arrecadação) e, como esperado de uma política contracionista, contração econômica – estagnação ou recessão da economia, sem crescimento, e alto desemprego e queda da renda. Ou seja, uma tragédia do ponto de vista dos trabalhadores.
Certamente o ministro Guedes sabe o que está fazendo, ao jogar o Brasil na recessão. O aumento do desemprego e a estagnação econômica trazem desgaste político. Então, qual o objetivo por trás das medidas recessivas que vêm sendo tomadas? Ou por outra, que projeto de país o governo Bolsonaro pretende implantar?
O objetivo declarado é tentar ajustar a economia. Só que a política contracionista acaba desajustando mais ainda as contas públicas, por uma queda forte na arrecadação de impostos, em função da queda do nível de produção e atividade econômica, ou seja, não há ajuste de fato, só cortes e mais cortes (e, pela lógica da política econômica, seguem-se novos cortes de gastos e contingenciamentos). De outro lado, a política recessiva coloca os trabalhadores, premidos pela queda da renda e o desemprego, em uma situação de defensiva política, reduzindo a resistência ao programa de reformas do governo (que começa pela reforma da Previdência). Além disso, o desajuste fiscal provocado pela própria política recessiva serve para o governo e os gestores da área econômica (com o Ministro da Economia à frente) justificar a sua política de venda do patrimônio público como alternativa para o equilíbrio fiscal que não conseguem obter com o corte de gastos. Assim, a venda de patrimônio (empresas, participações acionárias, patrimônio imobiliário etc) é o outro lado da política econômica. E esse outro lado tem relação com o projeto de país que ao menos o ministro Paulo Guedes quer implantar – já que não sei se de fato o presidente Bolsonaro tem algum projeto de país que queira implantar. Seus discursos são apenas de destruição.
Quais as principais consequências da privatização das estatais, pretendida pelo governo Bolsonaro?
Uma desestruturação ainda maior do parque produtivo brasileiro. A privatização somada à redução do papel do setor financeiro público compromete o processo de industrialização nacional iniciado nos anos 40 e 50 do século passado, e que já vinha cambaleante ou andando para trás desde os anos 1990. Ou seja, a desindustrialização no país deve se aprofundar. Não é à toa que voltamos a ver teóricos do século passado, que criticavam o nacional-desenvolvimentismo e o processo de substituição de importações e a montagem do parque industrial brasileiro, defendendo o aprofundamento do modelo primário-exportador que predominou no país desde a independência, como Eugênio Gudin, voltando a ser citados por alguns colunistas defensores da estratégia do atual governo nos jornais, retrocedendo um debate de mais de 50 anos no país.
Qualquer país para se desenvolver investiu pesado na educação. O que pretendem Guedes e Bolsonaro ao fazerem justamente o contrário: cortes pesados no setor? E quais as consequências desta decisão?
A política do atual governo para a educação não tem nenhuma relação com alguma estratégia de desenvolvimento nacional. Talvez apenas se possa pensar que o desinteresse no desenvolvimento da educação possa ter relação com o fato de que o modelo primário-exportador baseado na exportação de commodities agrícolas, minerais e energéticas prescinde de uma sociedade com um grau de educação avançado. Mas talvez isso seja muito sofisticado para o atual governo. O desmonte da educação pública pelo governo atual parece ter mais relação com a abertura de espaço de negócios para as empresas privadas de educação – educação, desse ponto de vista, não é estratégica, é um negócio.
O que se pode esperar como impacto para a área social (hospitais, escolas, universidades, cultura, habitação, saneamento) como consequência da emenda constitucional 95 de Michel Temer aprovada pelo Congresso Nacional e que congelou o Orçamento da União por 20 anos e que o governo atual está cumprindo à risca?
Sinceramente, acho que essa emenda aprovada não resiste mais muito tempo, tal o grau de desarticulação do setor social público que tem tido como consequência. Se seguir, seguirá o desmonte do setor social público, com enormes impactos sobre uma sociedade cada vez mais empobrecida pela política econômica adotada desde 2015, e aprofundada no atual governo. E a abertura de algum pouco espaço para o investimento privado nessas áreas sociais – ou seja, a transformação de direitos garantidos pela Constituição em áreas de negócio, onde os tais “direitos” são comprados e vendidos. Evidentemente que em um país onde a maioria da população é muito pobre, isso significa um país com direitos para poucos, e a maior parte da população excluída.
Como o senhor avalia o governo federal lançar mão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), através da autorização de saques mensais, com a proibição do saque integral do saldo quando da demissão e dos 40% de multa?
A proposta do governo, uma emenda keynesiana a um arranjo geral liberal, e que tenta dar a um paciente na UTI (a economia brasileira) algum sinal de vida (alguma demanda por consumo) dificilmente terá algum resultado significativo do ponto de vista da ativação da economia, dados os baixos valores, o alto grau de endividamento da população, e o fato de que boa parte dos recursos do FGTS dos mais pobres, que poderiam ir diretamente para gastos, já foi sacado pelo desemprego da economia e pela rotatividade do mercado de trabalho. Além do mais, periga desarrumar o setor de construção civil (a contrapartida da substituição do antigo mecanismo da estabilidade no emprego pelo FGTS, pelos governos militares na segunda metade dos anos 1960, foi a criação de mais um mecanismo de alavancagem do Sistema Financeiro da Habitação e da compra da casa própria), um setor altamente empregador de mão-de-obra. Ou seja, do ponto de vista da atividade econômica, existe a possibilidade do tiro sair pela culatra.
O posicionamento político do governo brasileiro, principalmente em relação aos Estados Unidos e à Israel, tem gerado embaraços internacionais graves. O que esta conduta pode trazer como consequência para o Brasil?
Já está trazendo um enorme estorvo à diplomacia brasileira e ao respeito que constituiu em muitos anos de trabalho profissional sério e árduo, obrigando a um posicionamento conjunto com países considerados de posicionamento complicado no cenário internacional em temas de gênero, costumes e cultura, como Arábia Saudita, Irã, Israel (em alguns temas) e outros (como os EUA, recentemente), em geral caracterizados por governos fundamentalistas religiosos e políticos. Mas começa também a ter custos econômicos, na medida em que o alinhamento aos EUA e a proximidade com Israel gera possível perda de mercados junto à China e a países muçulmanos, como temos visto recentemente no episódio do alinhamento às sanções dos EUA em relação ao Irã e à perda de exportações de milho. Temos que ver até onde isso vai, mas especialmente em relação à China, existe uma enorme possibilidade de perda de mercados para uma série de produtos de exportação (commodities agrícolas, minerais e energéticas) sem a contrapartida de novos mercados nos EUA, já que em boa parte dos produtos (em especial os agrícolas) os EUA são nossos competidores. Além disso, os chineses também são grandes investidores no Brasil, e seus mecanismos de financiamento são pujantes – ou seja, podemos também ter enorme perda de investimentos e recursos financeiros. Mas, como dito antes, temos que ver até onde isso vai.
*Originalmente publicada no site do Sindsprev/RJ